sábado, 21 de março de 2009

A Casa do meu avô

Quando eu era criança minha mãe lia para mim os poemas de Manuel Bandeira, lembro-me bem da capa, letras pretas e verdes, divertia-me ouvindo e recitando o Trem de Ferro, tentando fazer métrica mover a maria fumaça. Não tenho certeza da frequência das leituras, mas a presença na memória é viva e faz-me sentir naquele tempo.

Era curioso ouvir aqueles versos. Para cada um deles construí uma cena e algumas foram tão marcantes que fico em dúvida do que era real e o que era imaginação... o porquinho-da-índia com certeza estava embaixo do fogão da casa do meu avô.

A cozinha do meu avô era de chão de lajotinhas vermelhas, retangulares, que se alinhavam na diagonal. Meia parede de azulejos brancos com uma borda azul de referências geométricas faziam divisa com a alvenaria pintada de branco. A geladeira de cantos arredondados e puxador cromado, guardava as sobremesas do nosso jantar de terça-feira.

Meu avô era médico, separou-se da minha avó quando eu ainda não entendia o conceito de tempo, então conheci meu avô separado morando em um amplo apartamento em Copacabana. Todas as terças-feiras nos reuníamos para o jantar, que chegava em um carrinho de madeira empurrado pela Maria, cozinheira de mão cheia, que falava pouco, mas fazia um feijão que meu avô adorava comer com pimenta malagueta verde, que ele amassava no centro da louça branca para depois regar com algumas conchas para o seu deleite.

Nossos encontros, sempre divertidos, tinham sempre uma polêmica, que ia desde a garrafa de coca-cola comandada pelo meu tio, até a repressão que passávamos naquela época com a ditadura, ou seja, falava-se de tudo, até do que a gente não queria ouvir.

Meu avô sentava na cabeceira da mesa, não me lembro muito de suas conversas, mas lembro bem de sua gargalhada, de engasgar e perder o ar...

Sinto muito a falta deste tempo e como este não pode mais voltar, é o porquinho da índia que me refaz.

Porquinho-da-Índia
Manuel Bandeira

Quando eu tinha seis anos
Ganhei um porquinho-da-índia.
Que dor de coração me dava
Porque o bichinho só queria estar debaixo do fogão!
Levava ele prá sala
Pra os lugares mais bonitos mais limpinhos
Ele não gostava:
Queria era estar debaixo do fogão.
Não fazia caso nenhum das minhas ternurinhas...

- O meu porquinho-da-índia foi minha primeira namorada.

2 comentários:

  1. Ah... Que encantador! História deliciosa de menina atenta as tramas, fios e geométricos dos objetos e das gentes.
    Senti-me naquela sala, vi seu avô rir e rir de se engasgar e perder o ar, e eu, eu morri de rir com ele...
    Muito bom, menina Portas!!!

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  2. Escreves bem e delicioso. E o Bandeira é meu poeta preferido, fazia poesia com lirismo e também inteligência. Bom ter lembranças boas, ainda mais assim misturadas com poesia, tal qual o feijão misturado com pimenta verde amassada... Delícia!

    Francisco Alves, franc-jr@uol.com.br

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